sexta-feira, 15 de abril de 2016

Legislação das facas

Facas não são armas

A verdadeira Justiça desfaz a interpretação doentia em prol do cidadão honesto.

É uma cretinice popular brasileira que "facas ou canivetes com mais de quatro dedos de lâmina são proibidos"...De onde teria surgido tal idéia? Resolvi baixar meus livros da estante e mergulhar em furiosa pesquisa, até que...eureka!

O Decreto nº 1246, de 11 de dezembro de 1936, regulamentava, entre outros itens, também o transporte de armas. Tal lei relacionava armas proibidas, permitidas para civis, regulamentava o porte das últimas e também proibia o cidadão de portar facas (ou outras lâminas) que possuíssem mais de 10(dez) centímetros de comprimento, de onde certamente teria surgido a expressão "...mais de 4 dedos...".

O mencionado decreto foi revogado pela Lei das Contravenções Penais e legislações seqüentes (Código Penal, Dec. Lei nº 2.848, de 1940) e Art. 19 da LCP reza que "trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta sem licença da autoridade..." constitui contravenção penal, comumente denominada de porte ilegal da arma.

Ora, está-se então a ver que, como não existe porte concedido para facas (e outros tipos de lâminas), jamais poderia um cidadão requerer e conseguir da autoridade competente a licença para portar uma desse tipo, daí defluiu-se que o portar uma faca (ou qualquer outro tipo de lâmina), com mais ou menos de "4 dedos", não enquadra o cidadão no tipo da contravenção em tela.

É um exercício simples de lógica: a contravenção é "trazer consigo arma fora de casa sem licença da autoridade competente". Que(ais) arma(s)? Quaisquer. E, entretanto, o núcleo do artigo esclarece: "sem licença da autoridade competente". Que licença? Uma que inexiste!

Isto nos leva a duas conclusões: 1) como a autoridade competente não concede licença para o porte de armas brancas (facas, canivetes, espadas, adagas, etc.) por ela não existir, o "trazer consigo" este tipo de objeto não se enquadra como contravenção penal; 2) é óbvio que assim que o termo "armas" no citado Artigo refere-se tão somente àquelas de Fogo!

DIREITO NACIONAL

O legislador pátrio, quando definiu a contravenção em tela, fê-lo pensando e Armas de Fogo, quaisquer que fossem, excluindo propositadamente todo e qualquer tipo de arma ,inclusive a Branca. Tanto é assim que o festejado autor Valdir Sznick, em sua magistral obra "Contravenções", à página 143, esclarece ("ipsis literis"): "...a existência da infração, pois, só se configura quando ocorra a falta de licença por parte da autoridade. Que autoridade? Em regra geral, a autoridade administrativa. Pela praxe, e atualmente, autoridade policial".

Assim, poder transitar com Armas Brancas (seja lá qual for o tipo de sua lâmina) é um direito adquirido pelo cidadão brasileiro e amparado por Lei, a qual não pode retroagir. Isto tanto é verdadeiro que vejamos o que diz a obra "Dicionário Jurídico", de autoria de Plácido e Silva: "Por isso, sob o ponto de vista da retroatividade das Leis, não somente se consideram adquiridos os direitos aperfeiçoados ao tempo em que se promulga a lei nova, como os que estejam subordinados a condições ainda não verificadas ou decididas, desde que não se indiquem alteráveis ao arbítrio de outrem". Ora, tentar mudar a legislação nesse aspecto seria, então ignorar o direito adquirido do cidadão e/ou prestar um tributo (ou prestigiar) a arbitrariedade.

A fonte informativa, como que para corroborar o exposto, ainda cita: "...os direitos adquiridos se opõem aos direitos dependentes de condições suspensivas, que se dizem meras expectativas de direito".

Ao pensar de forma contrária, o legislador teria que incluir numa pretensa nova lei relativa ao assunto e também considerar como proibido o porte de pedras, jornais convenientemente dobrados (cujo uso adequado é ensinado aos agentes da CIA norte-americana, transformando-os em armas mortíferas (quando atingem a garganta ou têmpora), gravatas, cintos (ou qualquer outro material que sirva de garrote), ossos afiados e até canetas esferográficas, estes dois últimos itens sendo muito usados em penitenciárias, etc. Enfim, todo e qualquer objeto perfuro-contundente teria que ser relacionado, o que seria, ademais de absurdo, um verdadeiro surrealismo e, portanto, incabível sob todas as circunstâncias do dia a dia do cidadão de qualquer lugar do mundo.

TRISTE REALIDADE NACIONAL

Não obstante, como já sobejamente mostrei, estar provado que o porte de Armas Brancas não se enquadra na contravenção penal constante no Art. 19 da LCP, constantemente observo (ou tenho contato com) policiais apreendendo facas, canivetes e adagas e prendendo em flagrante sob a acusação de porte ilegal de arma.
Situação triste, porém comum, nos grandes centros é a seguinte: o cidadão está em um transporte coletivo, bar, ponto de ônibus, ou mesmo a transitar pela cidade e chega a polícia (agora quase sempre acompanhada da imprensa televisionada) para realizar uma "blitz".

Esse cidadão vê-se, subitamente, submetido a revista e, ao ser encontrada a Arma Branca, detido e, na maioria dos casos, tratado como verdadeiro marginal (inclusive repórteres ávidos em busca de promoção). Ato contínuo, o aparelho policial o coloca numa viatura, sempre sob a alegação de estar portando algo com "lâmina maior do que 4 dedos", e o encaminha ao distrito, onde muito provavelmente será preso em flagrante por "porte ilegal de arma".

Aqui nesta muito real situação observamos dois fatos claros: 1) a ilegalidade dos atos cometidos pelos policiais e 2) o despreparo daqueles que o orientam. Não bastasse isso, o pretenso flagrante de porte ilegal de arma ainda acarreta a mesma burocracia (e muita papelada, consequentemente) da verdadeira contravenção penal relativa às Armas de Fogo.

O ponto de vista da autoridade administrativa nesse assunto, como veremos mais adiante, é totalmente diferente da visão policial (ainda) deturpada sob o assunto ora em pauta. A linha de pensamento da maioria dos Promotores de Justiça Criminal de São Paulo (SP), com que conversei amiúde sobre essa questão é – entretanto – apoiada estritamente na Lei e em sua anteriormente mencionada interpretação. Ocorre que, uma vez lavrado o flagrante, gerada a papelada, etc., o trabalho que sobra fica para o cidadão honesto e para a Justiça Criminal. O primeiro deve apoiar-se no trabalho de um advogado e o segundo julgar a questão, tudo isto consumindo tempo e dinheiro, neste caso ambos do contribuinte, nesta contribuição enquadrando-se, então, todos os envolvidos: policiais, delegados, pretensos réus, advogados de defesa, Promotores, Juizes e suas estruturas. Em outras palavras, por um resquício de antiga lei, verdadeiro ranço do passado, nosso dinheiro e tempo se esvai... é triste!

EXEMPLOS INTERNACIONAIS

Tentando buscar uma explicação para todos esses absurdos que acontecem em nosso país relativamente às Armas Brancas, decidi consultar compêndios de leis de outros países e o único fato que encontrei foi na Lei espanhola, cujo povo historicamente sempre se armou diuturnamente com as famosas "navajas". Recentemente, tentaram naquele país a aprovação de uma lei que entendesse por crime o porte de facas de duplo fio, NOTEM BEM, do tipo adaga, e com lâminas maiores do que 10 cm. O julgamento de tal propositura foi um verdadeiro fiasco para aqueles que a propunham: foram vencidos por unanimidade.

Ainda internacionalmente, reportando-me agora aos EUA, note-se que na cidade de Nova Iorque as leis sobre o porte ilegal de Arma de Fogo são rigorosíssimas, talvez as mais rigorosas do mundo.

O policial nova-iorquino, freqüentemente habituado a abordar elementos altamente drogados, não "dá moleza" para nada que possa constituir-se no menor tipo de armamento. Entretanto, mesmo lá, facas e canivetes, ou sejam, objetos de uso diário que eventualmente poderão ser utilizados como armas.

Querem um exemplo vivo de que acabei de expor, divulgado ao mundo inteiro? Muito bem! O 1º filme "Crocodile Dundee" mostra uma cena em que o personagem principal, vindo da Austrália, onde portava habitualmente grande faca Bowie, estava perdido e procura ajuda de um policial de patrulhamento na área urbana. Ao procurar a ajuda do policial, este lhe dá uma "carona" em seu cavalo, momento em que "Dundee"retira da parte traseira de seu cinto a grande faca ( que atrapalhava sua subida ao lombo do animal) e a entrega ao policial. Juntos, seguem até a porta do hotel, onde "Dundee" desmonta e o policial lhe entrega a faca, continuando a ronda.
Salta, então, aos olhos o seguinte: fosse o porte de uma faca, mesmo grande e própria para a Defesa como aquela, crime ou contravenção naquele Estado norte-americano, o policial certamente teria prendido o usuário e o objeto e mesmo Hollywood sendo – na maioria das vezes – tão fantasiosa como é, jamais permitiria tão falsa divulgação do agir de um policial urbano.

Os eternos críticos do 3º Mundo certamente pensarão e afirmarão: ""Ah! Mas isto é válido para um povo civilizado... só mesmo nos EUA!" . Ledo engano. No próprio continente sul-americano países como Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, etc., não orientam suas forças policiais no sentido de reter lâminas em poder de cidadãos honestos. O máximo que pode acontecer é verificar-se a ficha policial do detido e, em caso de ela estar OK, devolver-se a faca ou canivete.

Na América do Norte e Europa é habitual ver-se senhores e senhoras de meia-idade, adultos e até jovens maiores de 18 anos portando canivetes nas características bolsinhas de cinto. Alguns desse tipo, como por exemplo o norte-americano da marca Buck 110, podem, é claro e rapidamente, transformar-se em arma mortal...Assim como o pode um simples ferro de passar roupa por qualquer outro objeto que tenha poder perfuro-contundente.

UM CASO NACIONAL

Ora, caros Leitores, o que presenciamos diariamente em nosso país, como conseqüência da falta de consciência da maioria das autoridades, é a simples inexistência dos direitos da cidadania, de forma que, assim, habitualmente o cidadão brasileiro é lesado gravemente pelo próprio Estado e seus agentes.

O caso que citarei a seguir, omitindo, é claro, nome do pretenso réu, consta do Processo 31/92 julgado pelo Juízo da 20ª Vara Criminal de São Paulo (SP) e mostra, felizmente, a lucidez e o fazer valer da própria Justiça, quando Juiz e Promotor são realmente esclarecidos.

Parte constante da sentença de absolvição pelo Meritíssimo Juiz de Direito, Dr. José Caetano Graziosi, referindo-se a pretensa acusação de estar o réu incurso no Art. 19 da LCP (porte ilegal de arma) por este ser detido na via pública portando canivete (agora, pasmem!) com lâmina de 8 (oito) cm, é claríssima: "...assim, nota-se que o porte de Armas Brancas não se insere no tipo penal da contravenção do Artigo 19, sendo, por conseguinte, atípica tal conduta. A entender-se de forma diferente, teríamos que toda a pessoa que adquirisse facas em lojas de supermercados estaria automaticamente infringindo aquela disposição legal ao encaminhar-se para a sua residência com as referidas..."

O insigne magistrado, exemplo a ser seguido por todos aqueles que são incumbidos de fazer a verdadeira Justiça, ainda esclarece: "...o porte de arma concedido pela autoridade policial refere-se tão somente as Armas de Fogo Curtas, ou de mão (revólveres e pistolas). Mesmo as armas de caça, como espingardas, fuzis e carabinas, não ensejam porte de arma, mas sim licença para transporte..." Mais adiante, na finalização da sentença, a correta síntese das idéias expostas neste Artigo: "... a posse de um canivete, ainda que em via pública não se caracteriza como prática contravencional. Se é verdade que o canivete possui condições de ser utilizado em ofensa à integridade física, não é menos verdade que sem a previsão do ato administrativo que concede licença para porte, não se aperfeiçoa o tipo penal do Artigo 19 da Lei Contravencional..."

E, como sempre neste tipo de ato policial ilícito, quem foi o maior prejudicado? O cidadão de bem, é lógico. Aquele que teve que contratar um advogado, gastando tempo e dinheiro. E o poder público, que teve que desfazer a interpretação doentia (e com muita burocracia) da autoridade policial, certamente de agentes e delegados que querem impor sua própria interpretação da lei.
Entretanto, com este caso, e com a jurisprudência nele configurada, ganham os cidadãos de bem que querem portar uma Arma Branca, seja lá por que razão for... Eu até sugeriria aos Promotores Públicos, Juizes, Delegados de Polícia, Comandantes de Polícias Militares sérios, etc. Que informasse o contido neste Artigo aos seus subordinados; creio que esta seria uma maneira inicial de evitarmos a má interpretação das Armas Brancas.
Por José Márcio Camacho
Arma em sentido genérico é todo objeto ou utensílio capaz de lesionar ou matar, qualquer que seja sua forma ou destinação. O que caracteriza a arma, é a potencialidade ofensiva, é a circunstância de haver sido especialmente fabricada para o fim de servir de instrumento de ataque ou defesa (próprias e impróprias).
As armas próprias são aquelas destinadas especificamente à finalidade ofensiva (ex.: arma de fogo), e as armas impróprias são aquelas que eventualmente podem ser utilizadas como arma (ex.: chave de fenda, faca, canivete).

Inúmeros são os objetos que possuem potencialidade ofensiva podendo ser utilizados como arma, sem necessariamente sê-los. Nas armas brancas, apenas os punhais e adagas possuem essa característica ofensiva, as facas e canivetes devem ser considerados a princípio como instrumento útil e necessário, uma ferramenta.

As facas, canivetes, punhais e adagas são denominados "arma branca" através do Decreto 3.665/2000, que assim a define:
"art.º 3.....
XI - arma branca: artefato cortante ou perfurante, normalmente constituído por peça em lâmina ou oblonga;"
O porte de arma ilegal está relacionado diretamente às armas que dependam de prévia licença da autoridade administrativa (arma de fogo), ou tenham sua proibição definida em lei.

A inexistência de licença para o porte de arma branca e a falta de legislação específica, torna o fato atípico, pois não existe obrigatoriedade de requerer licença da autoridade administrativa para o comércio, compra e posse de "arma branca", ou guia de tráfego para seu transporte.

A lei das contravenções penais, em seu art. 19 (Decreto-Lei Nº 3.688/41) não pode ser interpretada com discriminação pelas autoridades policiais permitindo que alguns portem por necessidade (feirante, ambulante, peão e etc...) e o cidadão que não comprovar essa necessidade, seja tratado como um contraventor. Essa absurda interpretação da lei é muito comum entre os policiais, que por falta de orientação e desconhecimento da lei prendem o cidadão que porta uma faca ou canivete, causando grandes transtornos para o mesmo.

"Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:
Pena - prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente.
§ 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrível, por violência contra pessoa.
§ 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição:
a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina;
b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de arma a tenha consigo;
c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-la." 

Analisando o art. 19 da Lei das Contravenções Penais, vejo que a intenç
ão do legislador era claramente normatizar o porte de arma de fogo. O artigo mencionado, em seu parágrafo 2º e incisos, deixa claro a intenção do legislador em regulamentar o porte específico de arma de fogo, onde deveria ter sido incluído no caput "trazer consigo arma de fogo...", pois o mesmo cita nos incisos as cautelas necessárias que devemos ter com as armas de fogo não tendo no texto da legislação nenhuma menção à arma branca.

Facas e canivetes deveriam ser vistos como ferramentas, mas são definidos por lei como "arma branca" pelo R-105 (Decreto 3.665/2000), e mal interpretado pelas autoridades que utilizam a Lei das Contravenções Penais para punir/restringir o seu uso, sendo que muitas vezes não sabem distinguir porte de transporte. Portar arma é trazer consigo a mesma para uso imediato e o transporte visa mudar o objeto material de lugar.

As adagas e punhais são considerados arma própria, porém, o seu portador mesmo que esteja com a intenção de lesionar ou matar não poderá ser preso pelo porte de arma branca, responde apenas pelos atos ilegais praticados. Algumas autoridades policiais, como medida preventiva, apreendem as adagas e punhais dependendo da situação mas o proprietário não poderá ser preso por porte ilegal de arma, pois não existe legislação que restrinja o porte de arma branca, mesmo esta sendo considerada arma própria.

A Constituição federal estabelece em seu artigo 5º, inciso II:
"II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;"
Dessa forma, entendo que qualquer cidadão tem o direito de portar ou transportar qualquer tipo de arma branca sem o semblante da ilegalidade, mas com a consciência de que existem lugares próprios para cada tipo de ferramenta sem ofender ou agredir outras pessoas, ou seja, o porte nos centros urbanos deve ser discreto, diferentemente da área rural onde o seu uso é ostensivo e rotineiro.

FONTE REVISTA MAGNUM EDIÇÃO Nº 31 NOV / DEZ 92

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